quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Nós escolhemos quem deve se retirar"


Por volta das nove da noite recebemos uma ligação de um dos nossos contatos dizendo que os colonos judeus do assentamento israelense de Qedumim tinham entrado com tratores nas terras palestinas de Kafr Qaddum (o próprio assentamento é construído sobre terras confiscadas de Kafr Qaddum) e haviam começado a planar a terra e a plantar oliveiras. Como era noite nos foi aconselhado que esperássemos até o dia seguinte. Antes não tivéssemos esperando. Pela manhã o pedido era para que fossemos direto para lá porque o exército havia chegado e alguns palestinos haviam sido agredidos. As próximas cenas foram das mais inacreditáveis da minha vida.

Quando chegamos ao local a situação era a seguinte: de um lado, protegendo a entrada do assentamento, estavam 20 soldados e dois seguranças particulares dos colonos israelenses, todos carregando seus M-16.  Do outro lado três palestinos estavam sentados na terra em frente aos soldados como forma de protesto, três mulheres palestinas estavam sentadas um pouco distante, e mais umas quinze pessoas incluindo internacionais e a imprensa palestina se encontravam lá para noticiar e oferecer presença protetiva para os donos da terra, todos completamente desarmados.

Depois de uns 15 minutos um homem pertencente à Autoridade Palestina chegou com os papéis que provavam a posse da terra. O soldado encarregado simplesmente lhe disse: vocês tem que entrar na justiça para provar que essa terra é de vocês, essa terra é do Estado de Israel.

Nesse meio tempo me foi dito que dois palestinos haviam sido agredidos anteriormente pelos soldados. Um homem por volta de seus 60 anos levou um golpe na cabeça, começou a sangrar e teve que ser encaminhado para o hospital. A segunda foi uma senhora de mais ou menos 70 anos. Ela foi agredida por uma soldada mulher ao tentar proteger o homem que estava apanhando do outro soldado.

Não bastasse isso, depois de mais meia hora, seis homens desceram de uma caminhonete com enxadas e picaretas. O meu pensamento foi: eu não acredito que os colonos voltaram. Pois sim, eram eles. Os palestinos começaram a gritar e os soldados foram para cima dos... palestinos! Enquanto os colonos começavam a trabalhar na terra e a plantar os soldados faziam uma barreira de isolamento para protegê-los! Sim minha gente. Os verdadeiros donos da propriedade tiveram que ficar assistindo os colonos israelenses trabalharem em suas terras com a proteção do exército.  Eu que pensava que grilagem de terra era o fim do mundo. Na Palestina nem falsificar os papéis é preciso, aqui basta só você ser judeu, acordar um dia querendo cultivar a terra dos outro e pronto! A terra é sua com o respaldo do Estado Israelense! Justiça divina é outra coisa!

Durante a encenação (digo encenação porque foi uma clara demonstração de quem tem o poder, não fazia nenhum sentido eles começarem a cultivar a terra naquele momento) o exército declarou o local onde estávamos como “área militar restrita” (ou algo como isso). Os palestinos responderam que só sairiam se os colonos também saíssem. A resposta foi: nós escolhemos quem deve se retirar. 

No momento da chegada. Essa indivídua da esquerda foi a responsável pela agressão a uma senhora de seus 70 anos. 

Marcas do trator. Acima se vê que foi aberto um pedaço da cerca para sua passagem.


Três mulheres da vila de Kafr Qaddum protestam sentadas sobre suas terras. Uma delas foi agredida no braço. 

Um dos homens da vila de Kafr Qaddum protesta em frente aos soldados israelenses. 

Colonos israelenses chagam ao cenário já tenso. Eles carregam ferramentas agrícolas. É possível perceber que eles organizam sua entrada antes de realmente "aparecer" para os palestinos. 

Depois de articular sua entrada eles começam a caminhar para o lugar onde os palestinos protestavam.

Reparem que os colonos já estão no canto à esquerda. Os homens de fuzil e trajes civis são seus "seguranças particulares". E os outros de uniforme verde-oliva são os seus "seguranças" pagos pelo estado. Eles formam uma barreira para impedir que os palestinos se aproximem dos colonos israelenses. 

Os colonos israelenses e seus seguranças particulares. É possível ver as marcas de trator no chão. 


Os seguranças se posicionam para garantir o cultivo tranquilo dos colonos em terra palestina. 

Neste momentos eles já estão mais afastados dos palestinos e dos soldados. 

A seta aponta para onde os colonos estão. Reparem que em seguida estão seus seguranças, e logo depois os soldados que fazem uma barreira para impedir que os palestinos avancem.

E os colonos cultivam tranquilamente a terra alheia. Um fato curioso é que eles plantaram algumas oliveiras. Ao que tudo indica o azeite de oliva terá o mesmo destino do hummus e do faláfel. Para saber mais: http://electronicintifada.net/blogs/ali-abunimah/hummus-and-falafel-are-already-israeli-now-theyre-coming-palestines-olive-oil-too


Todo o episódio foi filmado e fotografado pelos soldados israelenses. Só para vocês não esquecerem que a senhorita à esquerda foi a que agrediu uma senhora de idade para ser sua avó.


Aqui se vê mais claramente a distinção entre os soldados e os seguranças dos colonos israelenses, de trajes civis.

Momento em que outros palestinos e internacionais se juntam ao protesto e sentam-se na terra em frente aos soldados. À direita a imprensa palestina. 

Palestinos protestam sentados em frente aos soldados israelenses. 

Momento em que os palestinos apresentam os papéis que comprovam a posse da terra e o soldado lhes diz que eles devem agora entrar na justiça para comprovar o que já está escrito. Segundo ele "essa terra é do Estado de Israel".

E a filmagem continua... Algumas vezes essas filmagens são usadas para incriminar os palestinos ou simplesmente para treinar os próximos soldados em como agir (ou não) em situações que envolvam colonos.