Ele tinha
17 anos, aos 16 tinha sido preso, não ficou muito tempo, comparado
com os outros. Foram 17 dias na solitária, provavelmente o tempo que
ele demorou a assinar sua confissão, e mais 53 dias entre espera,
acusação e pena. Mohammad era um menino que não sabia por que
tinha sido preso de madrugada e mantido 20 dias sem contato com
qualquer advogado, ou melhor, sabia, afinal era palestino. Sua
sentença era, entre outras coisas menos graves, pertencer a Jihad
Islâmica, grupo político considerado terrorista pelo governo
israelense. Segundo ele, o seu único delito tinha sido entrar para
um grupo de discussão sobre religião na escola onde estudava. Então
era isso, ele era um terrorista, afinal, o único partido ou grupo
político não considerado terrorista pelos israelenses é o Fatah,
partido da Autoridade Palestina.
O menino
falava muito pouco, estava tímido, segundo a mãe, que também
possuía dois sobrinhos na cadeia e outro filho recém-saído, ele
havia mudado depois da prisão, era finalmente um homem. Antes era
muito arteiro, agora ficava mais no seu canto. De onde eu venho isso
tem outro nome, trauma, pensei comigo. Mas, em um país onde quase
todos os jovens passam pela cadeia1,
o lugar é realmente um rito de passagem para a maioridade. A
conversa começou estranha, ele não queria falar, e a única pessoa
que entedia inglês, uma prima, ainda dava muitos tropeços na
língua.
O que
fizeram com você na cadeia? Sem me olhar nos olhos ele disse: fui
interrogado durante 3 ou 4 horas ininterruptas durante os 17 dias que
fiquei na solitária com uma luz que ficava acessa 24 horas e um
aquecedor que nunca desligava, ameaçavam minha família. Queriam que
eu confessasse ser da Jihad Islâmica, e eu nem sabia do que eles
estavam falando. Depois me colocaram numa cela muito fria com mais 8
meninos, entre 15 e 17 anos.
Eu sabia
que ele tinha confessado, afinal, não existia outra possibilidade,
os israelenses costumam prorrogar a prisão das pessoas em casos de
não confissão até que elas cedam. O sistema é o seguinte: os que
confessam pagam uma fiança, geralmente de uns 3.500 reais, ganham
uns dias de reclusão, e vão para casa; os que não confessam, ficam
presos até confessar. A única diferença é que os que mais tempo
resistem, mais tempo ficam na prisão. Não há escapatória. É por
isso que eles têm um índice de quase 100% de confissão e
condenação, coisas de democracia.
Perguntei
se ele sabia que tinha saído uma grande reportagem na Inglaterra
sobre a condição das crianças palestinas presas, onde ele era um
dos entrevistados2.
Mesmo? Vieram umas pessoas aqui faz um tempo, mas ninguém me disse
nada, nem sei de onde eles eram, respondeu o menino. Foi uma
reportagem muito boa, as pessoas ficaram indignadas, inclusive o
governo inglês chegou a fazer uma declaração pública sobre o
fato3,
o que não é pouca coisa, falei. Ele se animou, e eu brinquei “você
está famoso”, foi ai que eu finalmente vi um sorriso adolescente,
ele estava orgulhoso.
Eu também
fiquei orgulhosa, consegui passar um pouco de esperança para o
garoto que vivia numa casa minúscula com toda a sua família num dos
dois campos de refugiados da cidade de Tulkarm. Perguntei sobre a
escola, acabei me metendo em um terreno complicado. Por conta da
prisão ele acabou perdendo o ano e não quis voltar, pois teria que
repetir a série e ficar longe dos colegas. Mas então, o que você
vai fazer? Estamos tentando arrumar dinheiro, disse a mãe, porque
numa escola particular ele pode fazer os dois anos de uma só vez,
assim que conseguirmos o dinheiro ele volta a estudar. Olhei em
volta, a casa era uma sala muito pequena, uma cozinha, um banheiro, e
um único quarto, mas até que não era tão mal, eles tinham uma
grande janela com vista livre, as outras casas de campo de refugiados que conheci não
tinham esse luxo.
1 Todos
os anos são cerca de 500 a 700 menores de idade presos pelos isralenses
2 Reportagem
do “The Guardian” sobre os presos palestinos menores de idade:
http://www.guardian.co.uk/world/2012/jan/22/palestinian-children-detained-jail-israel?INTCMP=SRCH
3 Reportagem
sobre a resposta do governo inglês:
http://www.guardian.co.uk/world/2012/jan/23/uk-concerns-israels-treatment-palestinian-children