sábado, 2 de agosto de 2014

O "direito de defesa" e o nojo que me dá.

Quando me dispus a passar três meses na Palestina, eu já conhecia bastante sobre o conflito. Foram, pelo menos, dois anos de leituras dos mais diversos tipos: relatórios das Nações Unidas, livros de historiadores israelenses e palestinos, jornais, relatos, entre outros.
Eu esperava encontrar o que de fato encontrei. Uma população fortemente armada e preconceituosa, do lado israelense, e uma população amedrontada, desarmada e cansada, do lado palestino (sem generalizações, obviamente). Do lado israelense, eu via pessoas fazendo compras, correndo e levando os bebês para passear, com fuzis pendurados no pescoço, por exemplo. Do palestino, as únicas armas com que tive contato foram as de alguns poucos soldados que controlavam as “áreas D” (consideradas de total controle palestino, em que, teoricamente, os israelenses – civis e militares - não poderiam pôr o pé) e que sumiam quando os israelenses faziam suas incursões em território palestino. Em geral, os palestinos tentavam evitar falar sobre o futuro ou sobre política: “já tentamos de tudo, da resistência armada à resistência pacífica”,  “nossa vida só piorou”, “acho que um dia teremos que deixar nossa casa para trás, como fizeram todos os outros”, diziam .
Nesse curto período que estive na Cisjordânia, eu vi todo o tipo de desrespeito ao Direito Humanitário Internacional. Vi crianças serem revistadas todos os dias por soldados para ir à escola; idosos impedidos de cultivar suas terras; autoridades palestinas com acesso negado ao território ocupado e desrespeitadas por simples soldados israelenses de 20 e poucos anos; meninos de 14 anos algemados; família inteiras alvo de gás lacrimogênio e canhões de água fedida, por defenderem seu direito de ir e vir; água palestina ser transferida para abastecer somente propriedades israelenses; casas serem demolidas no próprio território palestino – quiçá por pura maldade etc. Não preciso dizer que nada disso ocorre no sentido contrário, preciso? De lado israelense, não existem confiscos de terras, casas demolidas, prisões arbitrárias ou qualquer um dos absurdos que tive o desprazer de ver com meus próprios olhos.
O horror era tanto que eu não acreditava: tinha dias que eu ficava calada no meu canto, tentando entender tudo aquilo. Como era possível?  Em três meses, vi coisas que qualquer ser humano normal duvidaria; preenchi formulários, fiz relatórios e tirei fotos dos mesmos absurdos que muitas outras pessoas antes de mim já haviam presenciado. Era impossível que ninguém soubesse o que se passava; então, passei a desconfiar que todas aquelas pessoas e entidades que não se posicionavam de forma contrária àqueles absurdos seriam cúmplices e, portanto, igualmente culpados. A ONU e todas as suas agências, os Estados Unidos, a Europa e todo o mundo é conivente com os abusos israelenses na Palestina, aquela terra sem lei, onde um faz o que quer e o outro obedece, se não quiser ir para a prisão ou para a cova. Dessa forma vive um palestino. Foi assim que compreendi as razões de alguém que se explode ou mata uma outra pessoa a facadas: é o resultado de quando tiramos a esperança da vida de qualquer ser humano.

Ver o que se passa em Gaza é revoltante e me dá nojo. Cada soldado israelense que vejo falar em “direito de defesa”, tenho náuseas, tamanha a maldade e perversidade. Pior ainda é ver que muita gente defende esse absurdo. A ocupação israelense deveria ser considerada crime contra a humanidade e todos aqueles que a defendem deveriam ir passar alguns dias (não precisa ser sequer um mês) morando com os palestinos, para sentir na pele o que passa essa gente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário